segunda-feira, 2 de abril de 2007

Paris Adormecida




René Clair e sua "inconsciente” forma de questionar a realidade.

por Raphaella Spencer


Um vigia que do alto da Torre Eiffel percebe um movimento diferente, ou melhor, uma completa inércia espalhada por toda a cidade. Depois de encontrar um grupo, que também escapou do sono coletivo, por estarem num avião, eles acabam descobrindo que tudo foi conseqüência de um engenhoso raio desenvolvido por um cientista maluco. Essa poderia ser apenas uma ficção fantástica não fossem o sarcasmo e o tom crítico peculiares a seu diretor René Clair.

Um diretor influenciado pelo surrealismo e que sempre optou pelas situações fantásticas, justamente para analisar sua própria realidade. Essa influência se enche de significado se for analisada sob a influência das teorias freudianas, de onde se originou o movimento surrealista como a que afirma: "O homem deve libertar sua mente da lógica imposta pelos padrões comportamentais e morais estabelecidos pela sociedade e dar vazão aos sonhos e as informações do inconsciente". É de sua fantástica Paris imbuída num sono profundo, que René faz emergir sua crítica social. Seja na alusão a alienação francesa no pós-guerra ou quando questiona o valor do dinheiro numa cidade parada.

Um ano depois de lançar Paris Adormecida, René Clair uniu-se a vanguarda dos artistas franceses, entre eles o pintor Francis Picabia, o compositor Erik Satie, o "multi artista" Marcel Duchamp, o fotografo Man Ray (fotógrafo) e o bailarino Jean Borlin (bailarino), para conceber Entreato (Entr'acte 1924). Um filme extremamente experimental, em que fica clara a cena da qual emergiram todos esses artistas e principalmente as novas formas de se apropriar da imagem em movimento conseqüentes desse momento.

Entreato se junta a um conjunto de obras atemporais do início do século 20, também pelas inovações logradas em sua montagem. Contemporâneo a outras escolas de cinema, como a russa, por exemplo, fica fácil observar, como utilizando as mesmas opções estéticas, cada diretor tentava lograr a sua forma de utilizar o cinema de forma autoral. Basta comparar Entreato como O Homem com a Câmera, do russo Dziga Vertov, que apesar de ter uma ideologia completamente diferente da de René sobre o papel do cinema, guarda muitas semelhanças com o primeiro. Para o russo, o cinema já se apropriava demais da realidade só por colocá-la sobre um ponto de vista, por isso ele achava desnecessário recriá-la em suas narrativas. Mas em ambas as filmografias o que vemos é um cinema que sem recursos como edição digital, ou pós-produção, dão uma aula de manipulação da película para obter resultados como o congelamento de uma cena, a sobreposição de quadros e a projeção de imagens sobre superfícies. De filmes como esses, o que fica é a certeza de que a grande inovação não está na maquina que a executa, mas sim no olhar e no experimentalismo de quem idealiza.

Entreato foi concebido para intercalar os trechos de Relâche, balé com direção de Francis Picabia, descrito por uns como dadaísta e por outros como proclamação de um começo do surrealismo nas artes cênicas. Mas a melhor descrição dada ao espetáculo foi a do próprio diretor, e aqui peço licensa para encerrar com essa citação essa análise fílmica, mesmo temendo o risco de tornar todas essas palavras completamente vazias de sentido: "Relâche não tem significado… Quando perderemos o hábito de explicar tudo?".


Filmografia:
René-Lucien Chomette, Paris, 11 de novembro de 1898 - 15 de março de 1981.
Paris qui dort (1923; Enquanto Paris dorme)
Entr'acte (1924; Entreato)
Un Chapeau de paille d'Italie (1927; Um chapéu de palha da Itália)
Sous les toits de Paris (1930; Sob os tetos de Paris)
Le Million (1930; O milhão)
À nous la liberté! (1931; Viva a liberdade)
Quatorze juillet (1932; Quatorze de julho)
Le Dernier Milliardaire (1934; O último milionário)
The Ghost Goes West (1936; Fantasma camarada)
It Happened Tomorrow (1943; O tempo é uma ilusão)
Le Silence est d'or (1947; Silêncio de ouro)
Les Belles de nuit (1952; Esta noite é minha)
Les Grandes Manoeuvres (1955; As grandes manobras)

Leia mais sobre o balé Relâche

domingo, 30 de abril de 2006

33

O Sal trágico de uma trajetória
por Raphaela Spencer

Em 33, Kiko Goifman imprime um modo peculiar de conduzir uma narrativa centrada no cabalismo de uma idade.

Um homem de 33 anos, filho adotivo de Berta Cudischevitch Goifman, nascida em 1933, têm 33 dias para encontrar sua mãe biológica. No caminho muitas reviravoltas e encontros esfumaçados com parteiras, cartomantes, porteiros, médicos e detetives. Essa parece uma bela sinopse daqueles filmes soturnos do Cinema Noir, onde um mocinho, de personalidade questionável, luta contra vilões sarcásticos e cruéis, sempre acompanhado por uma misteriosa mulher que permeia todo o filme.

Toda a estética e construção narrativa de uma ficção, empregadas de forma decisiva, na construção da procura real do diretor Kiko Goifman (autor e personagem) por sua mãe biológica. Totalmente bem resolvido em sua relação com o fato de ser adotado, o diretor achou que expondo a própria história, poderia quebrar o tabu, que ainda cerca os debates sobre esse assunto, principalmente quando envolve membros de famílias onde a adoção está presente.

Quando completou 33 anos, Goifman estava preparado pra começar essa busca. Mas não queria que ela durasse uma eternidade e por isso estabelece um prazo de 33 dias. É a presença desse deadline que torna a narrativa ainda mais ficcional. A apreensão que cerca a espera do desenlace é ambientada por uma fotografia toda em preto e branco com alto contraste e trilha sonora que tem o dinamismo da música eletrônica do grupo Tetine.

Na primeira etapa da investigação detetives do centro de São Paulo são entrevistados. Nessa fase, o diretor realiza uma espécie de capacitação sobre como executar sua própria busca. Depois viaja para Belo Horizonte, onde entrevista as pessoas que estiveram envolvidas no caso: sua mãe adotiva, sua irmã, sua babá e o médico que intermediou a adoção. No decorrer da história, ele ainda revira os arquivos da Santa Casa e conversa com antigos moradores do prédio em que passou dois dias antes de ser adotado.



Durante toda a gravação privacidade e autopreservação ficaram fora do vocabulário do diretor. Além de enfrentar as reviravoltas de seu próprio passado, ele ainda criou um diário virtual, onde postou durante toda a gravação do documentário. Esse espaço foi visitado por diversos internautas que se sentiram livres para analisar a iniciativa e opinar (nem sempre a favor) sobre o que achavam da busca. Essa oportunidade única, de participar de um documentário como espectador de sua construção, levaram alguns desses internautas a se tornarem entrevistados dentro do próprio filme. Goifman transformou essas opiniões em falas dentro de sua própria obra.

Há 10 anos Kiko Goifman trabalha em seus filmes temáticas relacionadas à violência. Segundo ele mesmo, essa busca sem disfarces é, na verdade, a promoção da violência contra si próprio. Expondo suas inseguranças e ansiedades, 33 acaba tocando a todos que assistem essa primorosa obra documental baseada em fatos de uma realidade tão bem arquitetada que mais parece uma grande ficção. (por Raphaela Spencer)

Ficha Técnica
33 - (Brasil, 75min, documentário, 35mm, p&b, 2003)
Direção: Kiko Goifman
Roteiro: Kiko Goifman e Cláudia Priscilla
Música: Tetine
Produção: Jurandir Muller
Página da Web: www.33ofilme.com.br

Sinopse: Documentário com atmosfera noir. 33 anos é a idade do diretor. 33 é o tempo limite para encontrar sua mãe biológica. Um road movie entre fumaça, parteiras, cartomantes, porteiros, médicos e detetives.

Filmografia do Diretor:
2004 - Morte Densa
2004 - Território Vermelho (curtametragem)
2004 - 33
2000 - Olhos Pasmados
1994 - Clones, Bárbaros, Replicantes
1992 - Tereza

quarta-feira, 26 de abril de 2006

A Queda da Casa de Usher

Cinematografia da Angústia

Somente literatura "classe A" resiste ao tempo, e são pouquíssimos os que conseguiram essa façanha. Um bom exemplo é o de Edgar Allan Poe, mesmo tanto tempo depois ainda impressiona os leitores que abrem seus livros. Difícil mesmo é transpor para o cinema, com a devida maestria, obras de quilate como as escritas por Poe. Um dos poucos filmes que conseguiram foi "A Queda da Casa de Usher", em preto e branco, gravado em 1928. Resultado de uma adaptação para o cinema de um conto homônimo; e que será exibido nesta quarta-feira, 26 de abril, no Cineclube Revezes, às 18h30.

La Chute de la Maison Usher, título original da obra, foi realizado na França, pelo então diretor de vanguarda e teórico do cinema Jean Epstein, com assistência de direção do espanhol Luis Buñuel. O filme é curto, com apenas 66 minutos de duração que impressionam o espectador na forma de recriar o universo opressivo e mórbido dos contos de Poe. Além da beleza das imagens, inspiradas nos quadros dos pintores românticos alemães, como Caspar David Friedrich.

O filme narra a peregrinação de Allan em busca da casa de Lorde Frederick Usher, que vive isolado com a esposa moribunda e o médico da família. Ao chegar ele encontra o amigo tentando, obstinadamente, preservar a beleza da mulher em um retrato em tela. Após a morte de Madeleine, a casa de Usher é tomada por uma série de fatos insólitos e misteriosos. Uma jóia rara fabricada pelo cinema mudo, e que é considerada a obra prima de Epstein, que teve em La Tempestaire (1947) sua última obra trilhada na pesquisa formal.

O grande mérito do filme reside na ousadia de construir longos travellings e a montagem extremamente cuidadosa, com alguns movimentos de câmera lenta que ilustram, em definitivo, as teorias defendidas por Epstein acerca do tempo no cinema. A Queda da Casa de Usher funciona como uma excelente lição de construção de narrativas complexas e de técnicas visuais que o diretor defendeu quando escreveu os livros: "Bonjour Cinema" (1921), "L'Intelligence du Machine" (1946), "Le Cinema du Diable" (1947) e "L'Espirit du Cinema" (1955).

SERVIÇO
O Quê? A Queda da Casa de Usher
Quando? Quarta-feira, 26 de abril - às 18h30
Onde? Cineclube Revezes, sala 510 - bloco A - Unicap
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Ficha técnica
Título Original:La Chute de la maison Usher
Ano: 1928
Gênero: Drama
Duração: 63 min
Produtora: Films J. Epstein
Diretor: Jean Epstein
Assistente de direção: Luis Buñuel
Roteirista: Jean Epstein, Luis Buñel
Direção de Arte: Pierre Kefer
Direção de Fotografia: Georges Lucas, Jean Lucas
Elenco: Jean Debucourt, Marguerite Gance, Charles Lamy, Fournez-Goffard, Luc Dartagnan, Halma, Pierre Hot.

Sinopse: Um homem vai até a uma casa escondida e triste no meio dos lagos onde moram o Lorde Roderick Usher, sua esposa muito doente e um médico. Com a morte da mulher o local parece guardar estranhos fatos que comandam a vida do marido numa obsessão que o faz crer na imortalidade dela através de um retrato pintado.

Cineclube Revezes

por Alexandre Figueirôa
Coordenador do Revezes

O cineclube Reveses foi criado em março de 1999, formado e conduzido por alunos e professores dos cursos do DCS de modo a servir como opção às atividades extra-curriculares do departamento. Ele cumpre dois papéis: o de animador cultural e o de suporte didático nas diversas áreas do ensino de Comunicação Social. As exibições e promoções são, no entanto, abertas a todos os alunos da Unicap.

Ele possui um perfil cultural, ou seja, privilegia a exibição de filmes que podem ser classificados no que se convencionou chamar de filmes de arte; realiza mostras temáticas (diretores, movimentos, etc.) e debates; promove convênio e intercâmbio com outras instituições como cineclubes, museus, cinematecas e salas de exibição com objetivos culturais. Neste sentido já promoveu com a Fundaj sessões seguidas de debates para os filmes exibidos no cinema da Fundação e na sala Lula Cardoso Ayres. Pretende ainda organizar oficinas e seminários em torno da produção audiovisual.

O cineclube tem apoio do DCS e da Unicap que lhe oferecem uma estrutura básica de funcionamento facilitando o acesso a salas, aparelhos de tevê e vídeo, projetor, computadores, etc. Isto, porém, não significa perda de autonomia. Estimulamos a participação dos alunos em todas as instâncias de modo a deixá-los livres para decidir sobre suas atividades e programação e sobre o direito de participar ou não de projetos desenvolvidos pela Universidade. Por outro lado ele não pretende ser uma instituição totalmente à parte, mas um núcleo de atividades integrado aos trabalhos desenvolvidos pelo DCS.

Dentro das atividades programadas temos aberto espaço para outras expressões audiovisuais e organizado exibições de produções de vídeo de maneira a criar um espaço de encontro de videastas e produtores institucionais e independentes. É nossa intenção ainda criar um acervo de filmes em vídeo e uma biblioteca com livros e revistas especializados na produção audiovisual (não esquecendo também trabalhos acadêmicos). Este material poderá ser obtido através de compras ou doações.

Outra proposta é o estímulo de atividades internas e externas as que permitam aos estudantes do DCS o exercício de práticas complementares a sua formação, ou seja, confecção de informativo para divulgação das atividades do cineclube com textos (reportagens, críticas de filmes) e arte-final produzidas pelos alunos; realização de mostras de vídeos de projetos experimentais e de outras produções amadoras; criação de uma página web explorando temas relacionados às atividades do cineclube; e ainda estabelecimento de um programa que abra outras perspectivas para os estudantes dos cursos do departamento com o objetivo de interessá-los a travar conhecimento de áreas afins, por exemplo, estudos sobre cinema-documentário para alunos de jornalismo, utilização do audiovisual em campanhas promocionais para alunos de Relações Públicas, Turismo, etc.